(ENGLISH VERSION BELOW)

HISTÓRIA DO FUTURO
Ciclo Estados–Gerais
06.05 – 23.05 2009

Martin Beck (AT 1963)
Joana Escoval (PT 1982)
Marcellvs L. (BR 1980)
Nuno da Luz (PT 1984)
Eli Noyes (US 1942)

Falar do Futuro pode ser facilmente entendido como falar de Utopia; mas, porventura, falar de utopias não implica invocar o Futuro – é evidentemente falar mais do Passado. Para lá da historiografia de futuros passados, duma arqueologia do pensamento utópico, o Futuro por si só não desenha uma História. É, pelo contrário, no Presente que se alicerça a crise e construção da história de um Futuro que, brevemente, há-de ser agora; que urge a eminência de uma acção enraizada no momento, num fazer concreto. Este fazer, no aqui e agora, constitui o movimento do Indivíduo no Mundo, possível construção de vida colectiva em processo, onde trabalho-obra e Mundo são já indissociáveis. Neste entendimento a Arte revela-se como empenho quotidiano, partindo de uma consciência concreta do Presente e das implicações de um rastreio acção-necessidade-consequência.

A tradução deste fazer em acção directa, frontal e explicitamente construtiva, é evidente; mas, e não apenas em contraponto, o é por igual uma poética inerente à criação de estruturas que pensam a produção humana como troca entre meio e agente. Uma poética aberta a indeterminações, desvios e invisibilidades. Em ambos os casos é fundamental um sentido de Ecologia, de Ética. Próximo ao conceito das três ecologias de Guattari (social, mental e ambiental) não se trata da defesa de medidas e códigos de conduta, mas a compreensão da ordem das coisas, das suas posições e das relações entre estas, radicada na temporalidade como espaço de potência.

Esta História do Futuro proporciona assim uma prospecção do terreno entre o possível e o real, entre necessidade e responsabilidade, a qual, pela autonomia própria à prática artística, supõe-se abrir o campo do fazer à especulação e experimentação. Estabelece um livre compromisso, no que isso implica enquanto causa e resultado como parte do Mundo.

Sem fins determinados a justificar um meio, o trabalho de Joana Escoval (PT 1982) insere-se na constância do seu próprio processo, sendo os seus gestos indissociáveis da vida e de uma ética perante as coisas e a temporalidade, onde o desenho e a acção diária se desenvolvem como relação, distância e proximidade, geográfica, pessoal. Para esta exposição Escoval devolve-nos o tempo que, desde Olea Europaea var. Europaea (Fase intermédia) de 2007, tem dedicado ao acompanhamento das árvores que transplantou, do Alentejo para o Jardim Botânico de Lisboa, expondo-as e tratando destas no entretanto. Dois anos volvidos as presenças são outras. Este processo de trabalho não deve talvez assim ser encarado como peça, em oposição a um acompanhamento e convivência no tempo.

Os vídeos de Marcellvs L. (BR 1980) [VideoRhizome, 2002 – em desenvolvimento] apresentam, a um primeiro momento, simples enquadramentos de cenas quotidianas, o desenrolar do mundo através do olhar-câmara, recorrendo a planos quase fixos e som capturado no local. Posteriormente, os vídeos escolhidos são numerados aleatoriamente e enviados, anonimamente, para códigos postais coincidentes com esses mesmos números, na criação de uma potencial comunidade inventada, uma estrutura que se auto-expande, nas palavras do artista. Este processo, partindo do conceito de Rizoma cunhado por Deleuze e Guattari, procede a uma reconstrução e inserção no Mundo incorporando o acaso como agente produtor de sentidos, numa procura de ordenação e reconhecimento de moldes e relações.

Martin Beck (AT 1963), por seu turno, tem vindo a desenvolver uma obra que se pauta pelo questionamento e desconstrução de sistemas de exposição discursiva, relacionando narrativas diversas, reconfigurando dimensões históricas e ideológicas. Nesta exposição, Beck apresenta peças derivadas da pesquisa que tem efectuado em torno da Conferência Internacional de Design de Aspen (Colorado, US), de 1970, intitulada Environment as Design. Tendo como leitmotif o comunicado do The French Group à conferência, no vídeo The Environmental Witch-Hunt, Beck transfere a leitura deste, escrito por Jean Baudrillard, para as florestas arquétipo do Colorado, num movimento ambíguo entre contemplação da natureza e questionamento dos métodos dessa mesma contemplação e conservação.

Intimamente relacionado com a pesquisa de Martin Beck, é apresentado o documentário Aspen: 70, de Eli Noyes (US 1942). Este filme foi apresentado por Beck, na sua exposição Panel 2: “Nothing better than a touch of ecology and catastrophe to unite the social classes…” (Londres, 2008) e é incluído, nesta exposição. Eli Noyes, filho de Eliot Noyes, à altura presidente da Conferência de Aspen, teve acesso completo a todo o funcionamento desta, e encontrou-se na posição de recolher as várias perspectivas e visões que naquele ano se confrontaram em Aspen, pelo “futuro” do mundo.

O trabalho de Nuno da Luz (PT 1984), enquadra-se entre um experimentalismo da plasticidade sonora, destacando-se a acústica e a ressonância como presenças marcantes da sua pesquisa, e uma atenção particular às especificidades do Lugar, da sua história e de uma imagem de si. Ambos os campos procedem de uma antropologia sonora, de carácter tanto enciclopédico, preciso, como resultado de vivências próprias, sendo field recordings ou o coleccionismo recorrentes. O trabalho em exposição surge dessa valência de recolha do conhecimento e de uma tentativa-processo de devolução, num fluxo ecológico entre o dispêndio e a geração de energia.

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HISTORY OF THE FUTURE
Cycle Estates–General
30.04 – 23.05 2009

Martin Beck (AT 1963)
Joana Escoval (PT 1982)
Marcellvs L. (BR 1980)
Nuno da Luz (PT 1984)
Eli Noyes (US 1942)

Talking about the Future may easily be understood as talking about Utopia; but talking about utopias doesn’t necessarily imply invoking the Future - it is evidently talking more about the Past. Beyond the historiography of future pasts – an archaeology of utopian thinking –, the Future by itself alone does not draw a History. It is, on the contrary, in the Present that the crisis and construction of a history of the Future is founded, that, soon shall be now; that urges the eminence of an action grounded in the moment, in a concrete doing. This doing, here and now, constitutes the movement of the individual in the world, a possible construction of a collective life and process, where this work-life and World are indivisible. In this understanding, Art reveals itself as a day to day commitment, starting from a concrete consciousness of the Present and of the implications of an action-necessity-consequence scan.

The translation of this doing in direct action, frontal and explicitly constructive, is evident. But, and not just only as a counterpoint, it is equally evident that a poetry exists inherent to the creation of structures that think human production to be an exchange between environment and agent. A poetic that is open to indetermination, diversions and invisibilities. In both cases a sense of Ecology and Ethics is fundamental. Close to the concept of the three ecologies of Guattari, (social, mental, environmental) the concern is not only about the defence of measures and conduct codes but the comprehension of the order of things, of their positioning and the relationships between them, rooted in the temporality as a space of potency.

This History of the Future thus provides a prospection of the field between the possible and the real, between necessity and responsibility; which, by the characteristic autonomy of the artistic practice, is supposed to open the field of doing to speculation and experimentation. It establishes a free compromise, in everything that that implies as cause and effect in the World.

With no determined ends to justify means, the work of Joana Escoval (PT 1982) is inserted in the constancy of its own process, her gestures being inextricable from life and an ethic towards things and temporality, where drawing and daily action develop themselves as relation, distance and proximity, geographical, personal. For this exhibition Escoval returns to us the time that she has dedicated since Olea Europaea var. Europaea (Fase intermédia) of 2007: accompanying the trees she transplanted from Alentejo to the Botanical Garden in Lisbon, exhibiting them, and taking care of them in the meanwhile. Two years later the presences have changed. This process of work maybe shouldn’t be taken as a piece, but rather as an accompaniment and coexistence in time.

The vídeos of Marcellvs L. (BR 1980) [VideoRhizome, 2002 – in progress] present, at first, a simple framing of everyday events; the unrolling of the world behind the eye-camera, recurring to almost still shots and sound recorded at the scene. Afterwards, the videos chosen are randomly numbered and sent anonymously to postal codes coinciding with these same numbers, creating a potential invented community, a structure that auto-expands itself in the artist’s own words. This process, starting from the concept of Rizome given by Deleuze and Guattari, proceeds with a reconstruction and insertion in the world incorporating chance as a producer of meaning in a search for order and a recognition of patterns and relationships.

Martin Beck (AT 1963), on his side, has been developing a work led by the questioning and deconstruction of systems of discursive presentation, relating diverse narratives, reconfiguring historical and ideological dimensions. In this show, Beck presents pieces derived from his on-going research around The Aspen International Design Conference (Colorado, US), of 1970, entitled Environment as Design. Using the announcement written by Jean Baudrillard and made by The French Group at the conference as a leitmotif, the video The Environmental Witch Hunt transfers its reading to the archetypal forests of Colorado, in an ambiguous movement between contemplation of nature and the questioning of these same methods of contemplation and conservation.

Intimately related to the research of Martin Beck, the documentary Aspen: 70 by Eli Noyes (US 1942), is presented. This film was shown by Beck, in his exhibition Panel 2: “Nothing better than a touch of ecology and catastrophe to unite the social classes…” (London, 2008). Eli Noyes, son of Eliot Noyes, at the time Chairman at the Aspen Conference, had full access to its functioning and collected several perspectives and visions, confronted that year in Aspen, for a “future” world.”

The work of Nuno da Luz (PT 1984) finds itself between an experimentalism in sound plasticity, acoustic and resonance being particularly relevant in his research, and a special attention to the specificities of Place; of its history and its image. Both sides proceed from an anthropology of sound, be it within a more precise encyclopedic character, or as a result from personal experience, field recordings and collectionism often reoccurring. The work shown comes from this possibility of the collection of knowledge and of an attempt-process of devolution, in an ecological flux between expenditure and generation of energy.